A frase de Jesus em Marcos 3,35 — “Aquele que faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe” — pode causar certo estranhamento à primeira vista. Afinal, parece que Jesus está ignorando ou até rejeitando sua própria família biológica. No entanto, quando lemos esse versículo com os olhos da fé e da teologia católica, encontramos nele uma profunda revelação espiritual: a verdadeira pertença à família de Jesus se dá por meio da obediência à vontade de Deus.
Na cena anterior a essa afirmação, Jesus está cercado por uma multidão, ensinando e curando. Sua mãe e seus parentes chegam e mandam chamá-Lo. A resposta de Jesus, aparentemente dura, é na verdade uma elevação da compreensão de parentesco, da carne para o espírito. Jesus não nega sua mãe, mas mostra que a comunhão com Ele não é baseada apenas nos laços sanguíneos, mas na adesão ao projeto do Pai.
A Vontade de Deus como Caminho de União com Cristo
Fazer a vontade de Deus é o centro da vida cristã. A oração do Pai-Nosso, ensinada pelo próprio Jesus, nos convida a dizer diariamente: “Seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu.” (Mt 6,10). A verdadeira fé não se limita ao sentimento religioso ou à tradição familiar, mas exige resposta, compromisso e conversão diária.
O Catecismo da Igreja Católica ensina:
“Jesus nos convida a entrar no Reino dos céus, mas exige uma escolha radical: para adquirir o Reino é preciso dar tudo.” (CIC, §546)
Essa escolha passa pela escuta da Palavra e pela prática. Ouvir o Evangelho e colocá-lo em prática é o que nos insere na família de Cristo. Como afirma São Tiago:
“Sede praticantes da Palavra e não apenas ouvintes.” (Tg 1,22)
Maria: O Modelo Perfeito de Quem Faz a Vontade de Deus
É importante destacar que Maria não é excluída nessa passagem. Pelo contrário, ela é o modelo supremo de obediência à vontade divina. No momento da Anunciação, ela diz: “Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra.” (Lc 1,38). Ninguém cumpriu a vontade de Deus com mais fidelidade e amor do que a Santíssima Virgem.
São João Paulo II comentou:
“Maria pertence plenamente à nova família que Jesus veio estabelecer: a família dos que ouvem a Palavra de Deus e a põem em prática.”
Assim, ao dizer que quem faz a vontade do Pai é seu irmão, irmã e mãe, Jesus está abrindo as portas de sua intimidade divina para todos os que O seguem de coração sincero, incluindo Sua própria Mãe, que está na linha de frente desses discípulos.
Uma Nova Família: A Igreja
Com essa afirmação, Jesus antecipa a realidade da Igreja como nova família de Deus, formada não pelo sangue, mas pela fé e pela obediência. Todos os batizados são chamados a viver essa união com Cristo, não apenas como servos, mas como irmãos.
São Paulo afirma:
“Já não sois estrangeiros, mas concidadãos dos santos e membros da família de Deus.” (Ef 2,19)
Viver como irmãos de Cristo implica assumir sua missão, carregar a cruz, amar até o extremo e, sobretudo, dizer com Ele: “Meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou.” (Jo 4,34)
Conclusão: Um Convite à Intimidade com Cristo
A palavra de Jesus em Marcos 3,35 não exclui ninguém, mas convida todos a participarem de sua vida divina, por meio da obediência amorosa à vontade do Pai. Esse chamado ultrapassa os laços humanos e nos introduz na mais profunda relação possível: ser da família de Deus.
Que cada um de nós possa responder com generosidade, como Maria, e viver não apenas como ouvintes da Palavra, mas como discípulos autênticos, irmãos e irmãs do próprio Senhor.